A intenção de fundir e extinguir municípios e até freguesias está na ordem do dia. Habituámo-nos de tal modo a pertencer a uma determinada unidade territorial que, em termos afectivos, não é fácil imaginar que um dia destes vamos acordar pertencendo a um qualquer outro concelho. Claro que isso não vai acontecer da noite para o dia, porque as populações não vão deixar. É que as questões do território, por mais insignificantes que sejam, podem gerar autênticas guerras. Quer se queira quer não, os “ bairrismos” ainda estão muito arreigados entre nós. Até se compreende porque mesmo no reino animal a questão do território é factor de sobrevivência. Para nós, humanos, e num plano sociológico, sabemos o quão importante é esta questão. A nossa freguesia, o nosso concelho acaba por ser a nossa “ nação”, o nosso cantinho. Mesmo hoje, neste mundo mais globalizado, “ a terra que nos viu nascer” continua a ter um especial significado para todos nós.
Assim, qualquer mexida na divisão administrativa será sempre um processo sensível e pouco pacífico. Invoque-se a racionalização de recursos, arranjem-se as justificações que se quizer, mas não devemos esquecer que são cerca de cento e cinquenta anos de estruturas e poderes estabilizados. Agora que tanto se fala de políticas de proximidade, interrogamo-nos se é possível preservar o saudável sentimento de “pátria” local, muitas vezes, motor da participação efectiva ( e afectiva) dos cidadãos.
A reforma de 1855 significou, de facto, uma reviravolta administrativa, mas não esqueçamos que nesses tempos não se podia falar em Poder Local Democrático, nem nada que se parecesse com isso. Mesmo assim, não deixou de gerar descontentamento popular em muitos pontos do país.
Sabemos que até 1855 apenas cinco freguesias faziam parte do concelho de Penacova: Penacova, Carvalho, Figueira de Lorvão, Lorvão e Sazes. Passou nessa data a integrar Farinha Podre, (freguesia que tinha sido sede de concelho com o mesmo nome, até 1853, ano em que passou a fazer parte do concelho de Tábua) Friúmes, Oliveira do Cunhedo e Travanca e uns anos mais tarde, S. Paio da Farinha Podre e Paradela da Cortiça.
Mas, afinal, quando foi que Penacova “ conquistou” Poiares? Conta-se que, por influência do conselheiro Fernando Mello, natural de Penacova, o Ministro Martens Ferrão, reestrutura o concelho de Penacova agregando Poiares. Os concelhos não poderiam ter menos de 3000 fogos e foi assim que Poiares, Cercosa, Almaça e S. Paio passaram a pertencer-lhe. Mas, este episódio teve “ existência de rosas”, como ficou conhecido para a história, É que, logo no mês seguinte, na sequência do movimento contestatário conhecido por Janeirinha, dá-se a queda do Governo, e o Conde de Ávila anula tudo o que um mês antes havia sido decretado.
Neste conjunto de mexidas administrativas, importa referir aqui que S. Pedro de Alva tentou em 1910 restaurar o concelho que existira com o nome de Farinha Podre. Logo a seguir à Implantação da República, uma Comissão ( da qual fazia parte Francisco de Almeida) foi a Lisboa - noticiam jornais da época - apresentar cumprimentos a Antonio José de Almeida, Ministro do Interior do governo Provisório. Ora, esta Comissão terá aproveitado para lhe fazer chegar também aquela velha aspiração ao que ele respondeu: “ Eu não faço política à Oliveira Matos, isto é, política bairrista, faço política nacional. O ser eu da freguesia de S. Pedro de Alva em nada pode influir na criação de um concelho com sede naquela povoação. Acima de tudo está a justiça e o interesse geral ”. Fosse por causa desta posição, fosse pelo facto de se considerar nos meios locais, que tal constituiria um desastre financeiro, o certo é que o tema caiu no esquecimento.
Um outro episódio que figura na história de Penacova, foi a movimentação que chegou a existir em Lorvão no sentido de parte da freguesia ser anexada ao concelho de Coimbra na esperança de que aquele município atendesse melhor as suas reclamações. Era o ano de 1932 e a estrada Rebordosa – Lorvão, cujo projecto se dizia estar na gaveta há cerca de quarenta anos, encontrava-se intransitável. Foram recolhidas assinaturas e a imprensa local escrevia que “ os turistas preferiam desconhecer as maravilhas do convento, a serem obrigados a tão terrível travessia”. O caso teve projecção nacional pois, o jornal O Século noticiou essa intençao dos lorvanenses se desligarem de Penacova.
Esta questão da fusão de estruturas locais está a ser tema de debate também, por exemplo, na Suiça. Neste país até se argumenta com a falta de candidatos para cargos políticos locais. Cá, esse problema parece não se colocar…bem pelo contrário. No entanto, tal como em Portugal, invoca-se a contenção de custos e a eficiência da máquina administrativa.
Como em tudo na vida, nada é imutável, muito menos a estrutura administrativa dum país. Mas o tema é polémico e as mudanças vão exigir a participação activa de todos. É que, a não ser assim, muita gente vai lembrar-se do que vem afirmando Fernando Ruas e virá para a rua dizer, tal como este conhecido autarca de Viseu, que "não são os loucos de Lisboa que nos dizem onde vamos viver!"
David Almeida
25-11-2010
Publicado no Frontal
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