25/03/11

Mirante Emídio da Silva

Mirante Emídio da Silva fez 100 anos O Mirante Emídio da Silva, construído no local do antigo miradouro do Monte da Senhora da Guia, conhecido por Mirante do Castelo, acaba de completar cem anos. Foi precisamente a 31 de Maio de 1908 que teve lugar a sua inauguração. Certo dia, o Dr. “ Manoel Emigdyo da Silva visitou Penacova e ao chegar ao Mirante do Castelo terá ficado maravilhado com a beleza da paisagem. Mandado construir pelo então Presidente da Câmara, Dr. José Albino Ferreira, com o apoio importante de Emídio da Silva, o mirante foi desenhado pelo prestigiado arquitecto italiano, radicado em Portugal, Nicola Bigaglia, também projectista da Casa dos Cedros no Buçaco. A inauguração do Mirante no fim de semana de 30 e 31 de Maio de 1908 foi um acontecimento marcado por grandes festejos, em que Emídio da Silva – e uma comitiva da alta sociedade lisboeta – é recebido apoteoticamente na vila. Centenas de pessoas terão esperado a caravana automóvel na zona da Várzea, pelas cinco da tarde de sábado, com flores e foguetes ao som da Filarmónica Penacovense. À noite, junto ao mirante, a iluminação com balões venezianos pendurados nas oliveiras, juntamente com fogueiras, deram a luz necessária para que o arraial abrilhantado por um rancho de tricanas de Penacova e pela veia artística da cantadeira de quadras populares Emília Carolina fosse um êxito. No dia seguinte, domingo, o Dr. Alfredo da Cunha, director do Diário de Notícias, descerrou a lápide que ainda hoje se encontra no local com a inscrição “ Mirante Emidgyo da Silva-31-5-908”, ao que se seguiu o discurso emocionado do homenageado, bem como outras intervenções. A festa terá perdido algum brilho, porque um intenso aguaceiro se terá abatido sobre o local a meio das cerimónias. No entanto o entusiasmo de alguns penacovenses, entre eles, Alves Coimbra, António Casimiro e Amândio Cabral, levou a que erguessem aos ombros por entre a multidão o Dr. Emídio da Silva, que deixou Penacova, segundo relatos escritos da época, consternada pela partida, acenando simbolicamente com lenços brancos. David Almeida in Nova Esperança , 2008 ------------------ Carta de Emidgyo da Silva ao Notícias de Penacova Ex.mo Senhor Director do “ Notícias de Penacova” Meu Prezado Amigo Solicita V. a minha colaboração para o primeiro número do seu jornal, honra que me desvanece e tanto mais por me dizer que igual solicitação fez ao meu erudito e bondoso amigo Dr. Augusto Mendes Simões de Castro, considerando-nos ambos entre os melhores amigos de Penacova, camaradagem e título que me envaidecem também. Há um quarto de século que venho a Penacova e que desde o primeiro dia tenho sido um entusiástico propagandista das belezas pitorescas desta linda vila. A minha propaganda não tem sido porém tão desinteressada como muita gente crê, pois sou pago de cada vez que volto aqui pelo deslumbramento desta sublime paisagem que me inebria de prazer espiritual ! … E sou ainda generosamente gratificado pelo acolhimento carinhoso e pelas distinções que ao mesmo tempo recebo dos Penacovenses entre os quais logrei criar amizades certas e duradouras. Notícias de Penacova, da linda terra amiga, oxalá elas me anunciem sempre melhoramentos materiais ou morais, de interesse local ou regional ligados necessariamente ao bem-estar dos seus habitantes! E assim desejo às Notícias de Penacova vida longa e frutuosa. M. Emygdio da Silva Lisboa, 10 Set.1931

18/03/11

Terras da Irmânia e da Casconha

As gentes de Penacova e Mortágua, mais concretamente, as gentes da Casconha e da Irmânia, terão, desde tempos imemoriais mantido algumas relações de vizinhança, desconhecidas de muitos de nós. Recordamo-nos , ainda, da ida à, a pé, à Feira de Vale de Açores . Nesse tempo não existiam as pontes que hoje facilitam os contactos. Nem ponte de Almaça, nem ponte do Cunhedo, nem Barragem do Coiço, nem ponte do Alva … Essa ligação da Casconha (assim designada a região do alto concelho de Penacova ) ao concelho de Mortágua não era fácil, em especial em tempos de Invernia. Desconhecemos que outros pontos de ligação terão vencido as barreiras naturais dos rios Mondego e Alva. Talvez, por isso, em termos de cultura, não temos notícia de grandes intercâmbios . Vai decorrer o fim de Semana da Lampantana , em Mortágua. Ora, quantas pessoas de Penacova conhecerão esta designação atribuída ao prato a que nós chamaríamos Chanfana? Ignorância nossa, admitimos. Mas tendo nascido e sido criados bem tão perto, achamos estranho nunca ter ouvido esse termo, o que nos pode levar a pensar que o intercâmbio cultural entre estes dois concelhos nunca foi muito significativo, além da existência de algumas trocas comerciais e industriais.
Hoje, temos a Escola Beira – Aguieira, com o seu pólo de Penacova. Temos a APPACDM, que tem utentes de Mortágua e, por fim, o projecto jornalístico FRONTAL. Recuando mais de cem anos no tempo, encontramos a ligação de Artur Leitão a Vale de Remígio. Ilustre figura de Penacova, filho do Conselheiro Alípio Leitão, a partir daquela terra assinou alguns dos seus escritos, entre eles um elogio fúnebre de José António de Almeida.Curiosamente, também em Vale de Remígio a Filarmónica dos Bombeiros de Penacova terá sido palco de alguma animosidade dos mortaguenses quando, no Verão de 1932, actuou num arraial juntamente com a Filarmónica de Mortágua. O facto acabou por ser, em certa medida, desvalorizado e desmentido pelo redactor do “Sul da Beira”.
Por terras da Irmânia: no Jornal de Penacova de 4 de Novembro 1933 deparamo-nos com notícias de “Carvalho da Irmânia” . E diz o correspondente : “ O titulo que hoje encima a noticias desta terra não tem nada que estranhar porque já é de alguma idade, embora desconhecido da região interessada”. E naquele momento desabafa : a região da Irmânia, “ é assim denominada por realmente ser irmã na desgraça e nos desprezo que os poderes públicos lhe têm dado”.
A Irmânia, seria limitada a Norte e a nascente pela estrada nº 49; a sul e poente pela Serra do Bussaco e rio Mondego. Abrangia, assim, as freguesias de Carvalho, Cercosa, Marmeleira, Cortegaça e Almaça ( e ainda parte da freguesia de Mortágua).No jornal acima referido, com data de 16 de Junho de 1934 deparamo-nos com uma glosa de feição popular que canta : “ Nasci nas terras da Irmânia /Junto ao Meiral fui criado/Aí tenho meus amores / Aí serei sepultado…//…No Seixo e em Gondelim / Em Almaça e Alcordal / na Lourinhã e Lourinhal / pela região toda enfim / grande amigo da sua terra / há um povo mourigerado /que de todos é estimado/ na Paz, no Amor e na Guerra / e que também sempre berra: / junto ao Meiral fui criado.” É, aí, chamada a atenção de que também outras terras deverão ser incluídas: Benfeita, Caparrosa, Caparrosinha, Cortegaça, Carapinhal, Val da Ovelha, Cerdeiro, Pendurada, Cerquedo, Santo António do Cântaro, Carvalho, Caldures, Aveledo, Boas Eiras, Val da Formiga, Carvalhais, Val de Ana Justa, Cunhedo e Senhora do Amparo.
Na Marmeleira, em 1908, pela mão de Basílio Lopes Pereira, foi fundada a Escola Livre da Irmânia, com o objectivo de fomentar a instrução pública e a cultura. A Escola possuía uma Biblioteca Popular, Secções de Estudos Gerais, Agricultura e Esperanto, Música e Canto, Arte de Representar, Filantropia, entre outras. As escolas livres integravam-se num tipo de escola e de ensino que se procurou estabelecer em Portugal, com o advento da República, a partir de 1907, os princípios da Escola Moderna. Há notícia da presença de professores das escolas da Marmeleira, Cercosa, Trezói, Mortágua, Sobral, Vale de Remígio e Carvalho numa conferência local que versou o tema "Educação, em 1913.
Cremos que a designação de Irmânia é pouco conhecida pela maioria dos penacovenses. O mesmo talvez aconteça , inversamente, com o nome à região confinante - a Casconha - mais a norte, e que tinha como centro a vila de S. Pedro de Alva . A Marmeleira é hoje embaixatriz dessa identificação , mantendo –a no nome do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Irmânicos”. Se para alguns Casconha, terá significado “ terra má para cultura” donde virá o nome de Irmânia? Poderá ter sido a partir da Irmandade criada pelo Padre Sebastião do Monte Calvário, que quis fundar, no fim do Séc. XVI, na Marmeleira, um mosteiro . Daí , a Vila da Irmânia -refere o site da Câmara de Mortágua. No entanto, parece-nos ser uma explicação demasiado óbvia para a origem das designações toponímicas, quer de Irmânia, quer de Casconha. Assim, lançamos o repto para os historiadores ou estudiosos destas coisas. Hoje, apenas tentámos recolher alguns dados, que poderão ser a base dum debate sobre esta curiosa designação que aparece num livro de 1912, recentemente reeditado. Ângelo Jorge, oriundo do Porto , e que nenhuma relação teria com esta regiaõ , publica “Irmânia”, uma “novela naturista” a qual, mais tarde, foi considerada um dos poucos exemplares de literatura Utopica em Portugal.
Mas voltemos ao início: o estudo dos possíveis elos de contacto entre Penacova e Mortágua, entre a Casconha e a Irmânia, quer em épocas mais remotas, quer nos tempos mais recentes, traria à luz do dia, estamos convictos, aspectos muito interessantes e, porventura, potenciadores dum maior intercâmbio cultural entre estes nossos dois concelhos.
David Almeida

28 Out. 2010
Publicado no Jornal Frontal

15/03/11

Cegos que, vendo, não vêem…

Neste mundo cada vez mais globalizado, em que as notícias nos chegam ao ritmo dos segundos e os acontecimentos de âmbito mundial interferem com o nosso quotidiano, estejamos onde estivermos, seja em Nova Iorque, seja em Pequim ou mesmo em Vale de Ana Justa ou no Roxo, a tarefa de escrever num pequeno jornal regional parece estar, à partida, mais facilitada, porque, na realidade nada do que se passa, seja onde for, deixa de ter efeitos em todo o mundo . Da América nos têm chegado notícias nos últimos tempos: não só o 11 de Setembro, não só a crise financeira, mas também a polémica gerada à volta da recente estreia naquele país do filme de Fernando Meirelles , baseado na obra do escritor português José Saramago Ensaio sobre a Cegueira. Ressonâncias ( e ânsias) que se estendem também a este lado do Atlântico.
Algum tempo antes de Saramago ser galardoado com o prémio Nobel da Literatura tivemos a oportunidade de assistir a um debate sobre o Movimento dos Sem Terra, coincidindo com uma das Feiras do Livro de Coimbra. Na visita à Feira, cumprimentámos o autor, que nos autografou precisamente o Ensaio sobre a Cegueira, que acabáramos de adquirir.
Autor polémico (recorde-se, por exemplo, o Evangelho Segundo Jesus Cristo), autor incompreendido e de difícil leitura para muitos.
Um escritor que utiliza com frequência a metáfora (substituição da palavra adequada por outra, com base numa comparação implícita) e a alegoria (sucessão de metáforas e/ou comparações através das quais realidades abstractas são concretizadas) estará, mais exposto a críticas, muitas vezes levianas, seja a propósito dos seus livros, seja como reacção ao filme recentemente estreado nos Estados Unidos e que teremos oportunidade de ver nos nossos cinemas em Novembro.
Que uma Federação de Cegos (Estados Unidos) queira que o filme de Fernando Meirelles sobre o Ensaio sobre a Cegueira seja retirado das salas de cinema, não é mais do que o reflexo duma sociedade vulnerável ao fundamentalismo literário, religioso, político… Com todo o respeito pelas pessoas cegas não concordamos que o director executivo daquela Federação entenda que, quer o livro, quer o filme “ retratam os cegos como incapazes de fazer seja o que for, até como viciados e criminosos”. Recorde-se que em 1998 foram vendidos pacificamente quinhentos mil exemplares nos Estados Unidos.
Achamos que a cegueira enquanto metáfora, passados dez anos, encaixa possivelmente ainda melhor na realidade deste nosso mundo.
O livro narra a história de um grupo de pessoas – sem nome – que vivem numa cidade – também sem nome - que é atingida por uma epidemia de cegueira branca. São encaminhadas para um abrigo, isoladas em grupos, onde ficam de quarentena, lutando para sobreviver num espaço onde a comida é o bem mais precioso. No meio do caos generalizado, apenas uma mulher não é infectada. Cabe a ela tentar perceber o que se passa e encontrar uma saída.
Tal como no filme A Cidade de Deus, também de Fernando Meireles, Blindness não é um filme agradável à vista. É que, a realidade levada ao extremo incomoda muito mais do que viver no faz de conta.
O Ensaio sobre a Cegueira fala da condição humana. Conforme B. Berrini escrevia em 1997, o ensaio retrata o egoísmo humano levado ao extremo quando está em causa a luta pela sobrevivência. No entanto, o livro apresenta uma realidade despida de ilusões mas não desprovida de esperança. A mulher do médico (que não cegara) representa o respeito, o serviço ao outro, a generosidade sem limites, a valorização do essencial, a possibilidade da solidariedade mesmo num mundo que parece irrecuperável.
De facto Saramago não é um escritor fácil. E não é por acaso que alguns dos seus romances se chamem Ensaios.
Recordemos o final do livro. A mulher do médico pergunta porque foi que cegaram. Talvez um dia se chegue a saber – responde ele. E acrescenta: “ penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”


David Almeida

escrito em 2008 /2009

12/03/11

Recordando Manuel de Oliveira Cabral

Não era de Penacova. Nasceu na Covilhã a 15 de Setembro de 1890 e morreu em S. Martinho do Porto em 30 de Outubro de 1974, terra onde casara em 1916 com Estefânia Cabreira. Na capital do norte, onde viveu muitos anos, dirigiu o suplemento infantil de “O Comércio do Porto”. O nomes Estefânia Cabreira e Oliveira Cabral ficaram impressos na capa de muitas obras de carácter didáctico, em especial manuais escolares e colectâneas de música e poesia para crianças. Quem frequentou a escola primária nos anos trinta terá muito provavelmente estudado pelo “ Bom Amigo” e pelo “ Cantinho Florido”, livros de leitura para a 1ª e 4ª classes, respectivamente.
Professor, escritor e pedagogo muito conhecido na sua época, Oliveira Cabral também deixou marcas indeléveis em Penacova. A “esta aprazível estância de repouso” como escreveu um dia, veio passar, nas décadas de 40/50 muitas das suas férias. Ainda hoje este casal é recordado por algumas pessoas, especialmente pelos saraus culturais que promoviam. Além disso, Oliveira Cabral foi um dos grandes impulsionadores do grupo “ Os Amigos de Penacova” que viria a dar origem à Sociedade de Propaganda e Progresso de Penacova. Também nos jornais da região, Notícias de Penacova e Correio de Coimbra, ficaram muitos dos seus escritos. Ainda no Natal de 1960 - e cremos que terá sido das últimas colaborações no Notícias de Penacova – podemos ler uma poesia sua, ilustrada por Guida Ottolini, neta de Roque Gameiro. No “Notícias de Penacova” de 30 de Agosto de 1952, escrevia, sob o título “ Parabéns bom povo de Penacova”, felicitando os penacovenses, na pessoa do presidente da Câmara, Francisco Martins, pela criação de uma Biblioteca Popular, à qual prometia oferecer algumas obras, sugerindo a criação de uma secção infantil. Neste artigo, Oliveira Cabral levanta a questão duma presumível doação testamentária de livros à Câmara de Penacova por parte de Emídio da Silva, facto de que pouco se sabia.
Também no mesmo ano e no mesmo periódico, Manuel do Freixo, pseudónimo de Manuel Vieira dos Santos, escreve sobre Oliveira Cabral, rendendo-lhe homenagem e manifestando o seu agradecimento pela acção que desenvolvera em prol de Penacova. Conta o Arcipreste Manuel dos Santos que fora aquando da primeira homenagem a Abel Rodrigues da Costa que Oliveira Cabral lhe prendera a atenção, ao propor a atribuição do nome daquele benemérito a uma artéria da vila, o que acabou por acontecer, como sabemos. Neste artigo a que estamos a fazer referência, Manuel do Freixo, não esquece a fundação de “ Os Amigos de Penacova” e o seu esforço por “ orientar Penacova no sentido turístico “, salientando nesse aspecto, a publicação duma “ pagela artística” intitulada “ Algumas Palavras sobre Penacova”. Para o articulista, esta iniciativa onde revela o quanto aquele “aprecia, admira e estima tudo o que diz respeito à alcandorada vilazinha de sua predilecção”.
O folheto abre com uma vista geral de Penacova, tirada a partir da zona do Penedo do Castro, aparecendo depois uma gravura sobre o quadro de Eugénio Moreira “ A Ferreirinha ou a Gioconda de Penacova” – que hoje podemos apreciar no Museu Soares dos Reis – enquadrada por um texto do escritor Antero de Figueiredo nas suas “Jornadas em Portugal”. Da “pagela” faz parte também o conhecido cartaz com o slogan “ Penacova - Zona de Turismo - A 25 Km de Coimbra”. É também aqui que Oliveira Cabral publica as quadras “Penacova,a Linda”, inspiradas num trecho de um livro de Raul Proença.
Em Outubro de 1950, Oliveira Cabral publica no Notícias de Penacova uma Carta Aberta ao Presidente da Câmara, onde faz questão de esclarecer que “ não é natural de Penacova, não tem interesses na vila ou na região” e que, por isso “ fala desapaixonadamente”. Começa por louvar a iniciativa da Câmara ao editar cartazes de promoção turística, dos quais teve conhecimento no café Guarani, na cidade do Porto e os quais lhe suscitaram alguns reparos sobre o Turismo em Penacova. “ O turismo quer alegria para os olhos e higiene para a saúde” – escreve a dado momento. Assim, vem alertar para “ o estado lastimoso em que se encontra a muralha de suporte em frente da Pensão Avenida” – onde geralmente se hospedava - e para a poeira que os carros levantam quando atravessam a vila. Depois de sugerir o asfaltamento da estrada até à Casa do Repouso, conclui com alguma ironia dizendo que o cartaz “ pode levar algumas pessoas ao engano, mas…só uma vez!”.
Oliveira Cabral, uma figura interventiva em Penacova, que não sendo penacovense, tal como Emídio da Silva, Simões de Castro, Vitorino Nemésio e alguns mais, procurou ser um embaixador desta terra cheia de potencialidades turísticas. É que, tal como escreveu em 1947, referindo-se a Penacova, a D. Eduarda Silva, nossa entrevistada no número anterior do Nova Esperança e que com ele conviveu enquanto jovem “ Sem uma alma cheia de poesia / Que te cantasse em versos sem rival / Tua beleza decerto esquecia / Quem acha belo o nosso Portugal // E entre tantos que tem cantado / a tua formosura sem igual / Um nome com carinho tens guardado / Porque te ama – Oliveira Cabral”

David Almeida
in Nova Esperança,Jan 2011

04/03/11

Artesanato contemporâneo: uma actividade económica em grande expansão

Entrevista a Tânia Sofia Tavares

O artesanato contemporâneo é uma actividade em grande expansão a nível nacional. Cada vez há mais pessoas que se dedicam ao artesanato urbano, enquanto actividade económica, com as vantagens da flexibilidade de horários e do prazer de viver a criatividade.
Define-se como uma arte manual com um traço de modernidade e um carácter mais urbano do que o artesanato tradicional. Aposta em vários materiais, desde o feltro ao ferro, assim como em novos conceitos criativos, explorando a diferença, a originalidade e a inovação.
Sofia Tavares, natural de Oliveira do Mondego, onde viveu até aos 25 anos, licenciada em Gestão de Empresas, considera que “ estamos perante um fenómeno que virou "moda" com aspectos positivos e negativos. Positivos no sentido em que as pessoas dão agora, novamente, mais importância ao que é artesanal, único, diferente. Por outro lado, a face negativa de qualquer "moda" é o mercado estar a ser "bombardeado" por imitações, de coisas com pouca qualidade, de "fazer só por fazer" com o objectivo de ganhar mais algum dinheiro.”
Pela sua ligação ao nosso concelho e por reconhecermos a seriedade do seu trabalho, trazemos hoje aos leitores do NE mais um exemplo de empreendedorismo jovem que tem sede na Figueira da Foz, onde podemos visitar a loja “ Canto da Sereia Artesanato / Design per Tutti”, um projecto da Tânia Sofia e do Helder Oliveira.


O que é para vocês o artesanato urbano?

Para nós o artesanato urbano não é mais do que a produção de peças únicas e originais fruto da vivência urbana de cada artesão, tendo por base as técnicas tradicionais. Todo o trabalho artesanal pressupõe qualidade, originalidade, muitas horas de trabalho, de pesquisa de materiais, etc. Apesar de alguma saturação do mercado com produtos de menor qualidade, temos a certeza que os trabalhos verdadeiramente diferentes e inovadores acabam por se destacar e serão esses que permanecerão quando esta "moda" passar.

Como é que todo este projecto nasceu?

Começou por ser uma espécie de terapia anti-stress, uma fuga do próprio dia-a-dia que se veio a tornar um vício; vício esse muito saudável. Actualmente é algo sem o qual não consigo passar, uma extensão de mim, uma paixão e uma necessidade! Fiquei viciada e consegui "pegar" o vício ao meu marido, de tal forma que trabalhamos em equipa. Assim surgiu a Design per Tutti®, que tomou forma e chegámos a um patamar perante o qual decidimos torná-la uma Marca Registada. Hoje está legalmente protegida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Como descreverias o vosso trabalho?

São peças únicas! Além disso somos bastantes exigentes, todas as peças tem que passar por vários critérios de selecção, até se transformarem no produto final, produto esse, que tem que ter qualidade e originalidade. Chegamos por vezes ao ponto de ter quase o produto pronto ou mesmo pronto e como não está do nosso agrado, reciclamos ou voltamos a fazer de novo!

Os “crafts”, termo geralmente usado por vós, constituem um trabalho a tempo inteiro?

Relativamente a mim, desde Novembro de 2009, passou a ser! Para o Helder é a tempo parcial. Em Novembro de 2009 nasceu um novo projecto: a loja "Canto da Sereia"; mais um projecto tornado realidade, com o apoio de familiares e amigos, na cidade onde vivo, na Figueira da Foz. Também é aqui , num pequeno atelier que trabalho, nos momentos mais calmos, e neste mesmo atelier também damos formação, a nível de workshops e brevemente iremos passar a ter também aulas dos mais variados temas, todos inseridos no "mundo" do artesanato. Consegui desta forma juntar a minha paixão pelo artesanato e fazer uso da minha licenciatura em gestão, gerindo o meu próprio negócio.

Onde é que encontras os materiais para os teus projectos?

Actualmente, já tenho alguns dos materiais que uso no "Canto da Sereia", porque para além de Artigos de Autor, também tenho uma pequena secção de retrosaria. Mesmo assim, não resisto a procurar noutros sítios. A baixa de Coimbra é um deles, e a casa da minha mãe, é outro. Lá em casa tenho encontrado pequenos tesouros e ando sempre á procura de mais. Também compro muita coisa Pela internet, principalmente tecidos!

De onde vem a inspiração para os vossos trabalhos?

De tudo o que nos rodeia, da "escola da vida", mas especialmente do mar! Quando nos sentimos mais desmotivados "criativamente" vamos para o nosso sítio "secreto" e lá conseguimos sempre recarregar baterias para ganhar de novo inspiração. Esse sítio são as belas falésias do Cabo Mondego, onde temos o mar à nossa frente e a serra atrás .

Como é que divulgam o vosso trabalho?

Podem conhecer os nossos trabalhos no "Canto da Sereia" mas também noutras lojas, com quem já trabalhamos antes e mesmo depois de abrir a nossa, continuamos a trabalhar! Depois também temos a divulgação via net, através dos blogues e do facebook. Uma outra forma de divulgação é a participação em feiras de artesanato e em feiras industriais e comerciais. Acedendo aos nossos blogues (por exemplo, http://cantodasereia-au.blogspot.com) , é possível sempre saber onde nos encontramos. E é claro, a divulgação feita pela minha mãe e amigos também foi e continua a ser muito importante.

Qual a vossa ligação a Penacova?

Morei em Oliveira do Mondego durante 25 anos, e é onde os meus pais e alguns familiares ainda vivem! Vim para a Figueira devido a compromissos profissionais e acabei por cá ficar, contudo vou com muita frequência ai e ainda mantenho muitas das amizades que tinha com pessoas do Concelho. Adoro a Figueira, mas o meu coração pertence aí e sempre pertencerá. O Helder está ligado a Penacova por meu intermédio e, apesar de nunca ai ter vivido, também gosta muita dessa zona!

Quais são os vossos planos para o futuro?

São tantos! Que o nosso trabalho se venha a tornar ainda melhor e que o "Canto da Sereia" se torne cada vez maior. Mas todos eles se encaminham para o mesmo objectivo: continuar a alimentar e acolher a nossa e a vossa felicidade.

Entrevista de David Almeida

in Jornal Nova Esperança (2010)