24/04/11

Hubris ou quando o poder sobe à cabeça...

Não precisamos de ir muito longe, nem no espaço nem no tempo, para verificarmos que a“ Síndrome de Hubris", por outras palavras, a arrogância muitas vezes demonstrada pelos detentores do poder, constitui uma constante nos nossos dias e ao longo da história.

David Owen escreveu, em Abril de 2008, um livro intitulado “ In Sickness and in Power: Illness in Heads of Government During the Last 100 Years". Aí, aparece a expressão grega hubris para explicar, por exemplo, o que terá levado Tony Blair a unir esforços com George W. Bush no Iraque, contrariando quem desaconselhava o recurso à luta armada.

O que não saberíamos – e que Owen defende neste livro - é que, no fundo, os governantes são desculpáveis : a pressão e a responsabilidade que o poder implica acaba por afectar a mente e a capacidade de decidir . David Owen, neurologista britânico, chegou a esta conclusão depois de estudar, por mais de seis anos, o cérebro de alguns políticos.

Em Maio do mesmo ano, publicámos um artigo na imprensa, ao qual demos o título “ Quando o poder lhes sobe à cabeça”. Escrevíamos, mais ou menos assim:

“ Foi recentemente publicado em Inglaterra um livro intitulado, em tradução literal, “Na doença e no poder: a doença nos chefes de estado ao longo dos últimos cem anos”, escrito por David Owen, neurologista e político, fundador do actual Partido Liberal Democrata e ex-membro de Governos de Sua Majestade. Owen terá estudado durante seis anos o “cérebro” de muitos dos políticos do século XX, tendo concluído que existe uma doença que afecta alguns detentores de cargos políticos: a síndrome de Hubris. O termo hubris significa, em grego, excesso de confiança e orgulho desmedido. Uma incursão pela mitologia grega conduzir-nos-ia ao herói Hubris, que uma vez alcançada à glória se deixou embriagar pelo êxito e com isso passou a acumular erros até ao dia em que encontrou Némesis que o fez cair em si e ver a realidade.

David Owen acha que este “autismo” não é capricho pessoal, mas sim um estado de doença. É que, as pressões e a responsabilidade que o exercício do poder implica, afectam a mente e o comportamento dos políticos. Nesta perspectiva, o poder intoxicaria de tal modo alguns detentores de cargos políticos que o sistema neuropsíquico dos mesmos acabaria por ser afectado gravemente. Mesmo sabendo que esta doença não se encontra reconhecida pela Medicina, Owen aponta um conjunto de sintomas (síndrome) facilmente diagnosticáveis: exagerada confiança dos líderes em si mesmos, desrespeito e desprezo pelos conselhos daqueles que os rodeiam e progressivo afastamento da realidade. Além disso, quando as decisões se revelam erradas, não reconhecem os erros e continuam convencidos de que tomaram a decisão correcta.

A comprovar tudo isto, o autor enumera políticos como Hitler que, na sua opinião, é dos melhores exemplos de um governante completamente dominado pela Síndrome de Hubris. Outros nomes: Roosevelt, Mussolini, Margaret Thatcher, Mao Tsé-Tung, Tony Blair, Bush, Fidel, Mugabe, Saddam, Khadafy , Idi Amin…

Seguindo esta linha de pensamento, no caso português ( que Owen não refere ) quem incluiria, aqui caro leitor ? Salazar? Jardim? Sócrates? … deixamos a resposta em aberto.

Neste livro, em que Owen retoma um ensaio publicado no ‘Journal of the Royal Society of Medicine’ acerca do conceito de Hubris, chama-se ainda a atenção para as consequências do declínio mental e físico de muitos governantes dos nossos tempos.

Suficientemente credível ou não, entendemos que esta obra não deixa de ser um bom pretexto para uma reflexão séria sobre a política e os políticos que nos governam, a nível mundial, a nível nacional e a nível autárquico. Reflexão que nos ajudará a estar mais atentos e mais sensíveis perante este fenómeno ancestral de abuso do poder por parte dos seus detentores.

E existe cura para a síndrome de Hubris? - é legítimo perguntar. Por enquanto – reconhece Owen - ainda não . Uma “vigilância constante ", diríamos, apertada, sobre os dirigentes políticos, será um dos antídotos disponíveis…

David Almeida

Sábado, 23 de Outubro de 2010

publicado no blogue Penacova Actual

04/04/11

Projecto Limpar Portugal

Projecto Limpar Portugal: Penacova não pode ficar de fora…

Perante os graves problemas com que a Humanidade se debate nos dias de hoje e que ameaçam o seu futuro, hesitámos um pouco entre o escrever sobre o tema das alterações climáticas e do aquecimento global ou reflectir sobre o Ano Internacional da Diversidade Biológica, ou mesmo ainda, sobre o Ano Europeu da Luta Contra a Pobreza e Exclusão Social.

Optámos por não abordar nenhum deles e falar duma campanha que está em curso por esse país fora e que culminará no dia 20 de Março, dia em que milhares de pessoas em todo o país irão sair à rua para recolher muito do lixo que infelizmente ainda encontramos em lugares recônditos da nossa floresta. Vivemos num país repleto de belas paisagens mas, infelizmente, todos os dias as vemos invadidas por lixo que aí é ilegalmente depositado. A ideia terá nascido na Estónia. Em Portugal a iniciativa partiu dum grupo de entusiastas do todo-o-terreno. Usando a internet e as redes sociais como meio de comunicação, o projecto ganhou milhares de adeptos e em muitos dos concelhos do país existem já grupos de voluntários a trabalhar.

Segundo os organizadores, o Projecto Limpar Portugal tem como objectivo eliminar as lixeiras ilegais existentes no espaço florestal. Trata-se de um movimento cívico de pessoas em regime de voluntariado, não aceitando doações em dinheiro, mas sim em bens e serviços que possam contribuir para a prossecução do seu objectivo. Estão a ser formalizadas parcerias com entidades públicas e privadas que possam ceder bens (sacos de lixo, baldes, luvas...) ou serviços (divulgação do projecto, transporte de pessoas, máquinas para recolha do lixo, camiões e tractores para o seu transporte...). Além disso, insiste o Movimento, é preciso encontrar elos de ligação em todas as freguesias e concelhos. Este movimento está aberto à colaboração de todas as entidades que a ele se queiram associar e com ele colaborar, tais como Associações, Organizações, Empresas, Partidos, Autarquias, Forças Militares, Bombeiros, Escolas e outras instituições.

Visitando o site oficial deste Projecto (http://limparportugal.ning.com/) podemos concluir que são já muitas as escolas aderentes, bastantes municípios, escuteiros, e muitas outras entidades públicas e privadas. Quanto a Penacova, verificamos que em finais de Dezembro o grupo ainda só conta com oito membros e pelo que nos parece a dinâmica ainda está no início. A inscrição pode ser feita através da internet. Penacova não será dos concelhos mais críticos quanto a lixeiras ilegais, mas sendo um concelho florestal, não será difícil encontrar ainda alguns monos atirados para as silveiras ou mesmo até à beira dos caminhos. Além disso, há também a necessidade de sensibilizar as pessoas em geral e à volta desta ideia contribuir para a mudança de atitudes no sentido de consolidar comportamentos mais sustentáveis e amigos do meio ambiente.

O projecto “Limpar Portugal” não vai resolver o problema dos lixos nas nossas florestas e, lamentavelmente a adesão não vai ser esmagadora. Todavia, num tempo em que se apela à participação dos cidadãos, e em que a actuação e as próprias exigência dos mesmos são sinais de consolidação da democracia participativa, acreditamos que vai ser um contributo importante para uma maior sensibilização para os problemas ambientais, a começar pelo nosso meio, por aquilo que nos está mais próximo. Sensibilização que irá envolver as crianças e os jovens que num amanhã, não muito longínquo, assumirão cargos de responsabilidade na vida social, económica e política.
E, deste modo, gradualmente, um novo paradigma ético há-de configurar as consciências e os comportamentos das pessoas e das instituições. O famoso imperativo categórico de Kant há-de ser enriquecido com um novo princípio formulado por Hans Jonas. Princípio ético (Age de tal modo que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência duma vida humana autêntica na Terra) que transcende uma moral do dever, imediata, apontando agora, para uma ética da responsabilidade, mais prospectiva, tendo as gerações futuras no horizonte e a própria sobrevivência da Humanidade no centro das preocupações.
31 de Janeiro de 2010
David Almeida

02/04/11

Ensaio sobre a Lucidez

Escrito em 2009: Eleições: a abstenção e o votos em branco

Cada vez que o povo é chamado às urnas e sempre que os níveis de abstenção são elevados, vem-nos à memória o livro de Saramago “ Ensaio sobre a Lucidez”. Abster-se, não votar pura e simplesmente, talvez não tem o mesmo significado que votar em branco. Mas, não deixa de ser também um voto de protesto. Protesto perante uma política que para a maioria das pessoas já não diz nada. Descrédito na democracia representativa e nos actos eleitorais, fruto não só da falta de cultura cívica, mas principalmente dos maus exemplos de muitos políticos e dos escândalos gerados por máquinas perversas de poderes e interesses ocultos.
No livro de Saramago, as coisas passam-se assim: “num indeterminado país decorre, com toda a normalidade, um processo eleitoral. No final do dia, contados os votos e verifica-se que na capital cerca de setenta por cento dos eleitores votaram branco. As eleições são repetidas no domingo seguinte, mas o número de votos brancos aumenta ainda mais: ultrapassa os oitenta por cento. Ora o governo, em vez de se questionar sobre os motivos que terão os eleitores a votar branco, decide desencadear uma vasta operação policial para descobrir o que está a minar a sua base política, desencadeando um processo de ruptura violenta entre o poder político e o povo.
Para Saramago, um dos piores cenários com que qualquer sistema que se diz democrático pode ser confrontado, seria a rejeição total de todas as propostas eleitorais, se a dado momento a “ cegueira” do povo se transformasse numa inesperada lucidez. Quem sabe se um dia as metáforas da literatura não se tornam mesmo reais…
Quando, em cada dez eleitores, só quatro, ou por vezes menos, decidem votar…algo se passa nas sociedades ditas democráticas. No nosso caso recente não podemos interpretar o facto, dizendo que “ isso” da Europa pouco diz ao comum cidadão. Depois de trinta e cinco anos de democracia, Portugal já deveria ter outro sentido cívico e crítico: não ficar em casa , não se abster , ou então, se assim o entendesse, ter mesmo a coragem de votar em branco.
Os votos em branco, pouco representam, por enquanto. Mas a abstenção, com estas percentagens, é preocupante. Nas Europeias, Penacova ultrapassou a média nacional. Esperemos que nos próximos actos eleitorais, quer para as Legislativas, quer para as Autárquicas , o panorama melhore substancialmente e que as pessoas passem a acreditar um pouco mais na política e nos políticos quer, no plano nacional, quer no contexto local.
David Almeida