02/04/11

Ensaio sobre a Lucidez

Escrito em 2009: Eleições: a abstenção e o votos em branco

Cada vez que o povo é chamado às urnas e sempre que os níveis de abstenção são elevados, vem-nos à memória o livro de Saramago “ Ensaio sobre a Lucidez”. Abster-se, não votar pura e simplesmente, talvez não tem o mesmo significado que votar em branco. Mas, não deixa de ser também um voto de protesto. Protesto perante uma política que para a maioria das pessoas já não diz nada. Descrédito na democracia representativa e nos actos eleitorais, fruto não só da falta de cultura cívica, mas principalmente dos maus exemplos de muitos políticos e dos escândalos gerados por máquinas perversas de poderes e interesses ocultos.
No livro de Saramago, as coisas passam-se assim: “num indeterminado país decorre, com toda a normalidade, um processo eleitoral. No final do dia, contados os votos e verifica-se que na capital cerca de setenta por cento dos eleitores votaram branco. As eleições são repetidas no domingo seguinte, mas o número de votos brancos aumenta ainda mais: ultrapassa os oitenta por cento. Ora o governo, em vez de se questionar sobre os motivos que terão os eleitores a votar branco, decide desencadear uma vasta operação policial para descobrir o que está a minar a sua base política, desencadeando um processo de ruptura violenta entre o poder político e o povo.
Para Saramago, um dos piores cenários com que qualquer sistema que se diz democrático pode ser confrontado, seria a rejeição total de todas as propostas eleitorais, se a dado momento a “ cegueira” do povo se transformasse numa inesperada lucidez. Quem sabe se um dia as metáforas da literatura não se tornam mesmo reais…
Quando, em cada dez eleitores, só quatro, ou por vezes menos, decidem votar…algo se passa nas sociedades ditas democráticas. No nosso caso recente não podemos interpretar o facto, dizendo que “ isso” da Europa pouco diz ao comum cidadão. Depois de trinta e cinco anos de democracia, Portugal já deveria ter outro sentido cívico e crítico: não ficar em casa , não se abster , ou então, se assim o entendesse, ter mesmo a coragem de votar em branco.
Os votos em branco, pouco representam, por enquanto. Mas a abstenção, com estas percentagens, é preocupante. Nas Europeias, Penacova ultrapassou a média nacional. Esperemos que nos próximos actos eleitorais, quer para as Legislativas, quer para as Autárquicas , o panorama melhore substancialmente e que as pessoas passem a acreditar um pouco mais na política e nos políticos quer, no plano nacional, quer no contexto local.
David Almeida

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