18/03/11

Terras da Irmânia e da Casconha

As gentes de Penacova e Mortágua, mais concretamente, as gentes da Casconha e da Irmânia, terão, desde tempos imemoriais mantido algumas relações de vizinhança, desconhecidas de muitos de nós. Recordamo-nos , ainda, da ida à, a pé, à Feira de Vale de Açores . Nesse tempo não existiam as pontes que hoje facilitam os contactos. Nem ponte de Almaça, nem ponte do Cunhedo, nem Barragem do Coiço, nem ponte do Alva … Essa ligação da Casconha (assim designada a região do alto concelho de Penacova ) ao concelho de Mortágua não era fácil, em especial em tempos de Invernia. Desconhecemos que outros pontos de ligação terão vencido as barreiras naturais dos rios Mondego e Alva. Talvez, por isso, em termos de cultura, não temos notícia de grandes intercâmbios . Vai decorrer o fim de Semana da Lampantana , em Mortágua. Ora, quantas pessoas de Penacova conhecerão esta designação atribuída ao prato a que nós chamaríamos Chanfana? Ignorância nossa, admitimos. Mas tendo nascido e sido criados bem tão perto, achamos estranho nunca ter ouvido esse termo, o que nos pode levar a pensar que o intercâmbio cultural entre estes dois concelhos nunca foi muito significativo, além da existência de algumas trocas comerciais e industriais.
Hoje, temos a Escola Beira – Aguieira, com o seu pólo de Penacova. Temos a APPACDM, que tem utentes de Mortágua e, por fim, o projecto jornalístico FRONTAL. Recuando mais de cem anos no tempo, encontramos a ligação de Artur Leitão a Vale de Remígio. Ilustre figura de Penacova, filho do Conselheiro Alípio Leitão, a partir daquela terra assinou alguns dos seus escritos, entre eles um elogio fúnebre de José António de Almeida.Curiosamente, também em Vale de Remígio a Filarmónica dos Bombeiros de Penacova terá sido palco de alguma animosidade dos mortaguenses quando, no Verão de 1932, actuou num arraial juntamente com a Filarmónica de Mortágua. O facto acabou por ser, em certa medida, desvalorizado e desmentido pelo redactor do “Sul da Beira”.
Por terras da Irmânia: no Jornal de Penacova de 4 de Novembro 1933 deparamo-nos com notícias de “Carvalho da Irmânia” . E diz o correspondente : “ O titulo que hoje encima a noticias desta terra não tem nada que estranhar porque já é de alguma idade, embora desconhecido da região interessada”. E naquele momento desabafa : a região da Irmânia, “ é assim denominada por realmente ser irmã na desgraça e nos desprezo que os poderes públicos lhe têm dado”.
A Irmânia, seria limitada a Norte e a nascente pela estrada nº 49; a sul e poente pela Serra do Bussaco e rio Mondego. Abrangia, assim, as freguesias de Carvalho, Cercosa, Marmeleira, Cortegaça e Almaça ( e ainda parte da freguesia de Mortágua).No jornal acima referido, com data de 16 de Junho de 1934 deparamo-nos com uma glosa de feição popular que canta : “ Nasci nas terras da Irmânia /Junto ao Meiral fui criado/Aí tenho meus amores / Aí serei sepultado…//…No Seixo e em Gondelim / Em Almaça e Alcordal / na Lourinhã e Lourinhal / pela região toda enfim / grande amigo da sua terra / há um povo mourigerado /que de todos é estimado/ na Paz, no Amor e na Guerra / e que também sempre berra: / junto ao Meiral fui criado.” É, aí, chamada a atenção de que também outras terras deverão ser incluídas: Benfeita, Caparrosa, Caparrosinha, Cortegaça, Carapinhal, Val da Ovelha, Cerdeiro, Pendurada, Cerquedo, Santo António do Cântaro, Carvalho, Caldures, Aveledo, Boas Eiras, Val da Formiga, Carvalhais, Val de Ana Justa, Cunhedo e Senhora do Amparo.
Na Marmeleira, em 1908, pela mão de Basílio Lopes Pereira, foi fundada a Escola Livre da Irmânia, com o objectivo de fomentar a instrução pública e a cultura. A Escola possuía uma Biblioteca Popular, Secções de Estudos Gerais, Agricultura e Esperanto, Música e Canto, Arte de Representar, Filantropia, entre outras. As escolas livres integravam-se num tipo de escola e de ensino que se procurou estabelecer em Portugal, com o advento da República, a partir de 1907, os princípios da Escola Moderna. Há notícia da presença de professores das escolas da Marmeleira, Cercosa, Trezói, Mortágua, Sobral, Vale de Remígio e Carvalho numa conferência local que versou o tema "Educação, em 1913.
Cremos que a designação de Irmânia é pouco conhecida pela maioria dos penacovenses. O mesmo talvez aconteça , inversamente, com o nome à região confinante - a Casconha - mais a norte, e que tinha como centro a vila de S. Pedro de Alva . A Marmeleira é hoje embaixatriz dessa identificação , mantendo –a no nome do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Irmânicos”. Se para alguns Casconha, terá significado “ terra má para cultura” donde virá o nome de Irmânia? Poderá ter sido a partir da Irmandade criada pelo Padre Sebastião do Monte Calvário, que quis fundar, no fim do Séc. XVI, na Marmeleira, um mosteiro . Daí , a Vila da Irmânia -refere o site da Câmara de Mortágua. No entanto, parece-nos ser uma explicação demasiado óbvia para a origem das designações toponímicas, quer de Irmânia, quer de Casconha. Assim, lançamos o repto para os historiadores ou estudiosos destas coisas. Hoje, apenas tentámos recolher alguns dados, que poderão ser a base dum debate sobre esta curiosa designação que aparece num livro de 1912, recentemente reeditado. Ângelo Jorge, oriundo do Porto , e que nenhuma relação teria com esta regiaõ , publica “Irmânia”, uma “novela naturista” a qual, mais tarde, foi considerada um dos poucos exemplares de literatura Utopica em Portugal.
Mas voltemos ao início: o estudo dos possíveis elos de contacto entre Penacova e Mortágua, entre a Casconha e a Irmânia, quer em épocas mais remotas, quer nos tempos mais recentes, traria à luz do dia, estamos convictos, aspectos muito interessantes e, porventura, potenciadores dum maior intercâmbio cultural entre estes nossos dois concelhos.
David Almeida

28 Out. 2010
Publicado no Jornal Frontal

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