“ A história da Guerra do Ultramar a que também apelidaram de Guerra Colonial, está muito longe de ser contada e esta deverá ser revelada e escrita, por quem sentiu na pele os seus efeitos e os retém bem vivos na memória “ – escreve Alfredo Santos Fonseca nas páginas do seu livro A História do Batalhão de Artilharia 1885, publicado em 2010. Já na obra Memórias do Sofrimento (2001), bem como em Pegadas dos Meus Pés (2006) esta temática fora tratada com o objectivo de “ deixar escrito com verdade, para as gerações vindouras “ o que foi o drama daquela guerra “, o que foi o “ sofrimento sentido por aqueles que foram obrigados pela teimosia politica de um regime, a enfrentar uma guerra indesejada pela maioria “ e que, em catorze anos, “matou na flor da idade perto de dez mil jovens, arrancados dos seus lares” na “ pujança das suas vidas”. Alertar para a situação de inconformismo dos ex-combatentes em termos de atribuição de pensões, bem como para a questão do repatriamento dos “ que ainda permanecem enterrados nos territórios onde encontraram a morte”, são também preocupações e denúncias justas para as quais estes escritos remetem.
Para quem não conhece Alfredo Fonseca, este, nasceu em 1944 na freguesia de S. Paio do Mondego e reside há longos anos em S. Pedro de Alva. É sócio-gerente de uma empresa de comercialização de móveis e electrodomésticos e nesta freguesia foi autarca entre 1972 e 2001, cumprindo três mandatos como Presidente da Junta. De 1966 a 1968 participou na Guerra Colonial em Moçambique.
Amante da escrita e grande comunicador, além dos três livros já publicados e dum quarto em preparação, tem colaborado também na imprensa regional, como o Notícias de Penacova, A Comarca de Arganil e o Nova Esperança. Acerca da sua narrativa escreveu Ruy Miguel que a mesma “ faz reviver a sua experiência de vida desde os verdes anos” e é “ feita numa prosa muito característica e até regionalista, pelo uso de termos locais”, fazendo lembrar “ outras obras e escritores passados que nos deixaram retratos fiéis do mundo rural.” Também D. Eurico Dias Nogueira, que naqueles anos (1964-1972) fora Bispo de Vila Cabral, reconhece nas Memórias do Sofrimento “ o testemunho de uma vivência pessoal” que, sendo escrito “ com alma e sinceridade” desperta no leitor “ viva curiosidade”. Por este prelado - conta Alfredo Fonseca - foi visitado no Hospital de Vila Cabral na véspera de Natal de 1966. Abeirando-se da sua cama, perguntou de onde era. Ao responder que era de S. Pedro de Alva, o Bispo logo reconheceu dizendo “ Ah…! É da terra do Padre David Marques! “
Um outro episódio, este bem mais dramático:“Depois desta desgraça afastámo-nos do carreiro, subindo uma encosta íngreme, com os mortos e feridos às nossas costas, eles e nós num sofrimento atroz, debaixo dum sol escaldante. Assim os trouxemos durante três dias, até ao ponto de já não aguentarmos o cheiro dos mortos e os nossos ombros verterem sangue provocado pelos paus de que improvisámos macas”. No dia seguinte apareceram dois caças T6 a escoltar um helicóptero, que só transportou os feridos. “Não tenho ordens para transportar mortos! Enterre-os ou queime-os! E lá ficaram aqueles dois infelizes enterrados para sempre sem caixão nem honras de funeral, colocados dentro da cova nus, como se fossem um animal.”
O início da Guerra Colonial está associado a duas datas. Para uns, é o dia 4 de Fevereiro de 1961, dia em que se deu o assalto às prisões e à esquadra da polícia em Luanda para libertar presos políticos. Para a maioria das pessoas, é o 15 de Março do mesmo ano, quando deflagraram os sangrentos ataques no Norte de Angola.
As cerimónias de evocação dos cinquenta anos vão, assim, ter lugar no próximo dia quinze. Estas serão constituídas por uma missa no Mosteiro dos Jerónimos, uma homenagem junto ao Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar e uma conferência na Sociedade de Geografia, onde discursarão Adriano Moreira e o general Gonçalves Ribeiro. Já estão patentes ao público, no Museu do Combatente, em Lisboa, três exposições alusivas aos anos da Guerra em África. Na inauguração das mesmas, o ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, enalteceu "o esforço, a dor e a experiência" de todos os envolvidos naquele conflito, exortando a que se "mantenha viva a memória e a lembrança" dessas pessoas.
É assim que Memórias do Sofrimento e A História do Batalhão de Artilharia 1885 fazem todo o sentido e mereciam ser mais divulgados. Ao que neles se escreve sobre a Guerra ninguém deveria ficar indiferente. É que se trata de um relato pessoal, com base histórica, que nos transmite na primeira pessoa, todo um conjunto de factos que só quem os viveu física e psicologicamente, os pode realmente “contar” (Gabriel Garcia Marquez, Viver para Contá-la) na medida em que foram vivenciados e experienciados.
Neste cinquentenário do início da Guerra Colonial, a nossa sincera homenagem a todos aqueles que foram actores participantes nesta sombria página da nossa História.
Texto publicado no Frontal sob o título " Guerra Colonial: viver para contá-la"
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